Afogados em logísticas diárias corremos para o tempo sem
tempo.
Enchemos agendas digitais de compromissos intermináveis e
fingimos que vivemos. A métrica dos dias faz-se pela produtividade da agenda. E
de repente o ano encolhe-se em semanas e dentro das semanas evaporam-se os
dias.
Comprometidos com o relógio que engole as horas numa fúria
insaciável, assinalamos as tarefas completas e reagendamos as que ficaram para
trás na esperança de enganar o próprio tempo. Ansiosos avançamos, corremos,
lutamos para chegar ao fim do dia e ao deitar a cabeça na almofada podermos libertarmo-nos
da ansiedade e dizer: consegui! Hoje fiz tudo o que tinha agendado. A seguir
fechamos os olhos e tentamos adormecer rápido antes que a ansiedade do que
temos planeado para o dia seguinte nos invada.
E assim continuamos, na ilusão de uma vida cheia.
Mas quando a agenda esvazia, já não sabemos quem somos. Se
somos alma da gente ou gente sem alma. E seguimos viagem sem pensar muito
nisso. Seguimos a nossa vida instantânea, prêt-a-porter, self-service, ready to
go, fast and furious….
Autómatos inconscientes seguimos pelo mundo sem olhar, sem
ver, sem sentir, incomodados pela chatice dos que ainda se manifestam pelas
causas perdidas que fazem parar o transito e atrasam os compromissos que com
tanto cuidado planeamos.
Seguimos anestesiados. Tomamos analgésicos e
antidepressivos. Dizia o poeta que pelo
sonho é que vamos, talvez…mas vamos como sonâmbulos, vamos com pressa. Dormimos
por impossibilidade de não o fazer, comemos a mais ou a menos, comemos sem
regra ou all included...ou comemos, dormimos e exercitamo-nos com tantas regras
que as réstias do prazer do excesso são aniquiladas no pensamento.
Fez-se tarde. Vou dormir. O dia que hoje passou foi já
riscado da agenda e desta breve vida. Amanhã fingiremos todos estar vivos de
novo.